ALMEIDA,
Maria Regina Celestino de. Os Índios Aldeados: história e
identidade em construção. Tempo, Rio de Janeiro, nº 12, p. 51-71.
Wagner
Aragão Teles dos Santos1
Neste
trabalho, Maria Regina Celestino Almeida, analisa a assimilação
das populações indígenas aldeadas no Brasil, diante da
colonização portuguesa a
partir do século XVI,
observando
assim, os diferentes
papeis dos
índios aldeados,
os quais lutavam para afirmação de sua própria
identidade.
No
início do artigo, a autora salienta que apesar
de os índios que fizeram parte do processo de colonização
portuguesa no Brasil terem passado por um processo de “perdas
culturais contínuas, que os conduziam à descaracterização étnica
e cultural”,
é possível encontrar seus descendentes no XIX, afirmando a
identidade de índio aldeado, com o intuito
de manter seus direitos jurídicos diante das terras concedidas no
passado.
Pensando
a partir de estudos referentes ao índios aldeados no Rio de janeiro,
Maria Almeida explica que deve-se quebrar essa visão dualística
entre brancos e índios ao se pensar a cultura. Para ela, devemos
pensar a partir de um processo de ressignificação e apropriação
cultural. Para
analisar esse processo, é preciso pensar “algo mais do que
prejuízos, perdas e extinção”, deve-se pensar como, “um
processo de resistência
adaptativa”. p. 52.
Nesse
sentido, os índios aldeados, se adaptaram ao mundo colonial em
formação, se assumindo com tal, e lançando mão de seus direitos
de aldeados quando necessário,
sendo de certa forma, identificado o
seu
lugar na sociedade, dentro da estrutura da colonização portuguesa,
na
qual tinham várias obrigações a cumprir, porém, haviam também,
direitos dos quais podiam usufruir.
A
autora utiliza a história dos índios Termiminó para confirmar a
sua tese de ressignificação e apropriação cultural das populações
indígenas no Brasil colonial.
Os
Termiminó estavam em conflitos com os índios Tamoios durante o
período de colonização portuguesa. Ao perceberem o seu
enfraquecimento diante dos seus rivais, pediram ajuda ao portugueses,
e se tornaram, por iniciativa própria, índios aldeados no Espírito
Santo em 1555. A partir deste momento, se tornou mais comum observar
relatos dos Termiminó em documentos contemporâneos.
Ao
tentar desvendar a origem étnica desse grupo indígena, a autora
encontra algumas dificuldades, por falta de documentação confiável.
No entanto, a autora supõe que esses índios era na verdade, um
grupo Tamoios, que, em conflitos com seus vizinhos, resolveram pedir
ajuda aos portugueses.
A
autora explica que, para os Termiminó, assumir a “posição de
inimigos ancestrais dos Tamoios e de amigos dos brancos devia ser,
naquele momento, bastante vantajoso, dadas as difíceis condições
que atravessavam”. p. 54. Nesse sentido, a autora identifica uma
imensa flexibilidade destes índios em relação às suas
identificações, pois passaram de Tamoio para Termiminó, e depois
para índios de São Lourenço com aparente facilidade.
A
autora salienta que estudos recentes têm demonstrado “a prática
de os índios assumirem mais de uma identidade, conforme o agente
social com o qual interagem”. No caso dos Termiminó, havia uma
interação com os portugueses, que nesse momento eram seus aliados e
com os Tamoios, atuais inimigos. Nessa relação, havia um claro
interesse Termiminó ao procurarem proteção diante dos portugueses,
inimigos dos Tamoios. No entanto, a autora ressalta que, “os índios
de São Lourenço não necessariamente abriam mão de seus próprios
critérios de identificação entre si e em relação aos outros,
embora tais critérios, com certeza se alterasse na colônia”. p .
56.
Nesse
processo de afirmação de uma identidade de índio aldeado, o texto
ressalta de que maneira as lideranças indígenas utilizavam o
prestígio de seus antecessores para reivindicar direitos diante da
coroa portuguesa. Segundo a autora, os argumentos dessas lideranças
indígenas, para a obtenção das mercês, “demonstravam
consciência da sua posição de índios aldeados”. p. 57. Nesse
sentido, fica claro, que as lideranças indígenas sabiam que o
benefício das mercês estava disponível para os que haviam prestado
serviços à coroa, em socorro às necessidades de seus súditos.
Para tanto, se utilizavam desse direito, exaltando os serviços
prestados por seus antepassados.
Vale
ressaltar que, “os índios eram súditos do Rei, com reconhecimento
jurídico sobre sua condição específica de aldeado”. p. 58.
Segundo a autora, a identidade de aldeado com o nome de batismo
português se sobrepunha a sua identidade étnica, demonstrando que
houve uma apropriação de novos valores nesse novo mundo em que
eles estavam vivendo. Ser súdito do Rei poderia significar a
possibilidade de conseguir benefícios diante da coroa.
Ao
analisar sobre construção étnica dos índios aldeados e suas ações
políticas no processo histórico de colonização, a historiadora
expõe as dificuldades para identificar as características culturais
e relações consanguíneas vivenciadas no interior das aldeias. No
entanto, ela ressalta que “tal limitação já não constitui
obstáculo para se pensar a possibilidade de considerá-los como
grupos étnicos”. p. 59. Para a autora, “estudos recentes sobre
etnicidade e cultura, tendem a priorizar cada vez mais as dimensões
políticas e históricas, vividas pelos grupos indígenas, em
situações de contato, deixando de considerar a cultura e muito
menos as relações consanguíneas como elementos definidores de
etnicidade”. p.59.
Segundo
Maria Almeida, a ação política em comum e o sentimento subjetivo
de comunidade, são elementos essenciais para a formação de
comunhão étnica. “De
acordo com Cohen, os grupos étnicos, inseridos em sistemas sociais
mais amplos, mantêm-se e fortificam-se, enquanto as diferenças
políticas e econômicas que os distinguem continuarem existindo”.
p.61.
Ao
analisar sobre elementos culturais constituídos pelos povos
indígenas aldeados,
a autora discorre sobre as dificuldades de considerar a cultura como
elemento-chave para definir grupos étnicos. Para a autora, as misturas e transformações ocorridas durante a colonização,
tornou difícil identificar, entre os índio aldeados, sinais de
manutenção de traços culturais. Ela
explica, que essa dificuldade se deve em grande medida à limitação
das fontes. Assim
sendo, não há
indícios suficientes para “se afirmar que as populações das
aldeias se distinguissem de seus vizinhos, moradores e foreiros em
suas terras, por quaisquer sinais culturalmente visíveis”.
p. 64.
Vale
ressaltar, que a convivência nas aldeias, fazia desenvolver novos
hábitos e costumes, e que em grande medida, dentro desse processo,
os jesuítas desenvolveram papel fundamental, ao incentivar novos
hábitos culturais. Nesse
sentido, a língua geral, teve uma grande importância, pois,
“introduzida e estimulada pelos jesuítas no interior das aldeias,
desempenhou papel fundamental, no sentido de facilitar a comunicação
entre os diferentes grupos étnicos e sociais na colônia, tendo
contribuído para facilitar a coesão entre eles (…)
no
interior
das aldeias, construiu-se uma nova cultura, que não era nem europeia
nem indígena e seu idioma era a língua geral”. p. 64
Nesse
estudo, a autora salienta também, a capacidade dos povos indígenas
de reformularem seus mitos e compreensões do mundo. Mesmo reduzidos
à condições de extrema dificuldade,
esses grupos sociais foram
capazes de reconstruir significados, fortalecendo assim, identidades
culturais. A
autora utiliza o caso da Santidade de Jaguaripe como exemplo de mito
capaz de reconstruir e reelaborar seus significados, constituindo-se
assim, como modo de consciência social.
Dentro
desse processo de reconstrução dos significados, os índios
aldeados misturaram sua história com a
dos portugueses, se inserindo no contexto histórico, não como
derrotados, e sim, como
herois vitoriosos.
Para
a autora, a história desses povos estavam intimamente ligada com a
dos portugueses, num mundo “que não era português, nem indígena,
mas um mundo no qual diferentes
grupos étnicos e sociais interagiam em sua construção e, neste
processo, construíam suas identidades”. p.
68. A
partir disso, construíam uma memória social condizente com o novo
contexto em que estavam inseridos.
A
autora salienta que ao assumirem uma identidade de subordinados, que
foi concedida pelos colonizadores, os índios aldeados
“reelaboraram-na para transformá-la
em identidade gloriosa. Transformaram a derrota em vitória, trocando
a condição de perdedores submissos, na qual a dominação os
colocara, pela de vencedores da ordem colonial, fiéis servidores não
só dos missionários e das autoridade locais, mas também, e
principalmente, do Rei distante”. p.71.
1Wagner
Aragão Teles é especialista em História Social e Econômica do
Brasil e Pós- graduando do curso de História da Bahia pela
Faculdade São Bento da Bahia.