segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Cora: lições de comportamento feminino na Bahia do século XIX.



 Reis, Adriana Dantas. Cora: lições de comportamento feminino na Bahia do século XIX. Salvador: FCJA; Centro de Estudos Bahiano da UFBA, 2000.




Wagner Aragão Teles dos Santos[1]


Este é um livro que se debruça sobre os debates relacionados às propostas de educação feminina na Bahia do século XIX. Dividida em 4 partes, a obra analisa as polêmicas geradas pelas Cartas Sobre a Educação de Cora, publicadas na segunda metade do século XIX, que estabelecia novos preceitos para educação da mulher da elite baiana, de acordo com a perspectiva civilizadora, influenciada pelo pensamento iluminista. Nessa perspectiva, a autora tenta entender o porquê do desencadeamento dessas polêmicas entre os homens letrados da Bahia. Na introdução do livro, a autora expõe as inúmeras fontes utilizadas e os arquivos visitados durante a pesquisa, evidenciando assim, o exaustivo trabalho realizado e todo seu rigor metodológico.
No primeiro capítulo, a autora tem como objetivo, retratar os espaços sociais ocupados pela mulher da elite feminina baiana antes e depois da chegada da Família Real em 1808. Analisado assim, a partir do olhar dos viajantes europeus, o contraste dos costumes femininos em Salvador, comparados com os das mulheres da Europa.
A partir dessa análise, a autora percebe que antes da chegada da Corte portuguesa, os espaços lúdicos para as mulheres da elite baiana eram limitados, basicamente, às festas religiosas. Como também, apesar de serem influenciadas, já nesse período, pela cultura da moda francesa, percebe-se que os padrões de moda e de hábitos de socialização não estavam em consonância com os da Europa do final do século XVIII e início do século XIX. Assim sendo, as mulheres brasileiras ainda viviam num mundo recluso onde a casa representava seu pequeno espaço de liberdade, pois, o espaço público, revelava-se como espaço de aparência e ostentação.
Com a chegada da corte em 1808, a autora identifica que os espaços de socialização da mulher começam-se ampliar, diante das festas promovidas, principalmente, pela família Real, no Rio de Janeiro. Porém, na Bahia, identifica-se que ainda havia uma sociabilidade limitada, mesmo nos anos do primeiro Reinado.
Durante o Segundo Reinado, os espaços lúdicos em Salvador se tornam mais comum, transformando a cidade em um centro cultural deste período. No entanto, Adriana Reis, deixa claro que mesmo com a ampliação desses espaços, as mulheres eram sempre conduzidas por um “braço masculino” tendo seu comportamento vigiado por todos, pois, qualquer deslize poderia comprometer a reputação da mulher, seja ela, solteira ou casada.
Neste mesmo capítulo, há uma tentativa de reconstrução dos espaços de socialização e dos hábitos cotidianos da mulher da elite do Recôncavo e do sertão baiano. Nessa investigação, em linhas gerais, a autora percebe que as mulheres dessas localidades estavam de uma maneira, ou de outra, sempre em contato com os hábitos e costumes praticados pelas mulheres da elite de Salvador, demonstrando que estavam atentas às mudanças sócio-culturais que aconteciam na capital baiana.
No segundo capítulo, Adriana Reis, de maneira muito lúcida, analisa a forma com que a igreja tentou vincular a imagem da mulher com a da Virgem Maria, e de que maneira a igreja reagiu contra as novas formas de socialização da elite feminina.
A igreja insistia que o cristianismo havia reabilitado a mulher do pecado cometido por Eva, no Jardim do Éden. Acreditando assim, que a mulher ideal era baseada na imagem da Virgem Maria.
 Nesta perspectiva, a mulher deixava de ser escrava, para se tornar companheira do homem. No entanto, essa mulher deveria ser submissa ao pai, ao marido e a Deus. Sendo assim, educada dentro dos princípios cristãos e preocupada  com a caridade aos mais necessitados.
Dentro deste contexto, a autora nos conta que a luta contra a influência europeia na educação da mulher da elite baiana, levou o arcebispo da Bahia, D. Romualdo Seixas, implementar as Irmãs de Caridade na Bahia, com o objetivo de cuidar da educação das mulheres baianas, pois, até a metade do século XIX, os conventos eram praticamente, os únicos espaços educacionais para a mulher, limitando-as dessa maneira, à reclusão.
Paralelo às ideias da igreja, e a partir da fundação da Faculdade Bahiana de Medicina em 1808, os discursos médicos de higienização e de racionalismo iluminista, pautados no  progresso e  na civilização, começam a ter grande influência na sociedade baiana nesse período, tendo como objetivo, tentar padronizar e racionalizar o comportamento feminino. Nesse sentido, o livro deixa claro que apesar do discurso iluminista dos médicos, as suas ideias de moral estavam alinhadas com as da igreja católica.
Enquanto a igreja criticava os novos trajes, os bailes e a vaidade das “moças dos sobrados”, tendo como justificativa, a moral cristã, os médicos os condenavam, a partir de argumentos científicos e higienistas. Porém, ao tratar do celibato, os médicos se colocavam inteiramente contra, argumentando que era uma prática que causava problemas físicos e morais, contrariando assim, os preceitos da igreja e consequentemente, do cristianismo.
No terceiro capítulo do livro, ao analisar o contexto em que as Cartas Sobre a Educação de Cora foram publicadas, Adriana Dantas, reconstrói de forma sucinta, a história do médico, José Lino Coutinho e de Ildefonça Laura Cezar, pais da menina Cora. A partir disso, o livro mostra também, a influência do pensamento iluminista na formação de Lino Coutinho, autor das cartas.
Ao analisar as cartas, a autora percebe que elas foram dividas em quatro fases, e que foram enviadas em cada momento distinto da vida de Cora, para que fosse um manual de  educação da menina. Sendo que a 1ª fase, correspondia do nascimento aos 7 anos de idade, se preocupando assim, com uma educação física e moral, dando pouca atenção para educação religiosa, enquanto que a 2º fase, que correspondia dos 7 ao 14 anos, tinha como objetivo uma educação que possibilitasse a diminuição do “fogo natural da idade”.  Nessa fase, diferentemente dos costumes da época, Lino recomendava o aprendizado das letras: gramática; música; história e francês. A educação religiosa, tinha como princípio, o conhecimento de Deus através da natureza, baseado no pensamento iluminista.
As cartas enviadas para tratar da 3ª fase da educação de Cora, tinha como um dos objetivos principais, dentre outras coisas, cuidar deste “tempo das paixões”, que segundo Lino Coutinho, todo cuidado neste período era pouco. A quarta e última fase, era a fase definida por Lino, como a fase da idade viril.
No último capítulo, o livro se debruça em torno do debate gerado pela publicação das cartas, na sociedade baiana. Analisando os inúmeros periódicos que foram publicados em Salvador neste período, a autora, demonstrando incrível rigor metodológico ao analisar as fontes, nos proporciona um delicioso debate entre os médicos da Faculdade Bahiana de Medicina e os representantes da igreja Católica, sobre a educação feminina.
Nesse cenário, a autora chega a conclusão, de que apesar das propostas inovadoras de José Lino Coutinho e de alguns representantes da classe médica local, os seus objetivos estavam em consonância  com o pensamento da igreja, ao criticar alguns dos novos costumes da elite feminina baiana. Dessa maneira, não havia a intenção de mudar o papel feminino na sociedade baiana, e sim, o de dar novos padrões para regular os seus espaços de socialização. Nesse sentido, a educação da mulher, tanto pelo viés médico, quanto pelo o olhar da igreja, tinha como objetivo principal, formar uma boa mãe, esposa e dona do lar.
A partir de tudo que foi analisado, podemos afirmar, que este livro é obra indispensável para os interessados em pesquisar o comportamento e a educação da mulher baiana no século XIX, fornecendo inúmeras informações necessárias para a discussão de gênero na área de História. Contribuindo assim, para o entendimento das construções históricas referente à natureza feminina.


[1] Wagner Aragão Teles dos Santos é Especialista em História Social e Econômica do Brasil e Pós- graduando do curso de História da Bahia pela Faculdade São Bento da Bahia.

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