sexta-feira, 24 de abril de 2015

Índios Aldeados


ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Os Índios Aldeados: história e identidade em construção. Tempo, Rio de Janeiro, nº 12, p. 51-71.







Wagner Aragão Teles dos Santos1




Neste trabalho, Maria Regina Celestino Almeida, analisa a assimilação das populações indígenas aldeadas no Brasil, diante da colonização portuguesa a partir do século XVI, observando assim, os diferentes papeis dos índios aldeados, os quais lutavam para afirmação de sua própria identidade.

No início do artigo, a autora salienta que apesar de os índios que fizeram parte do processo de colonização portuguesa no Brasil terem passado por um processo de “perdas culturais contínuas, que os conduziam à descaracterização étnica e cultural”, é possível encontrar seus descendentes no XIX, afirmando a identidade de índio aldeado, com o intuito de manter seus direitos jurídicos diante das terras concedidas no passado.

Pensando a partir de estudos referentes ao índios aldeados no Rio de janeiro, Maria Almeida explica que deve-se quebrar essa visão dualística entre brancos e índios ao se pensar a cultura. Para ela, devemos pensar a partir de um processo de ressignificação e apropriação cultural. Para analisar esse processo, é preciso pensar “algo mais do que prejuízos, perdas e extinção”, deve-se pensar como, “um processo de resistência adaptativa”. p. 52.

Nesse sentido, os índios aldeados, se adaptaram ao mundo colonial em formação, se assumindo com tal, e lançando mão de seus direitos de aldeados quando necessário, sendo de certa forma, identificado o seu lugar na sociedade, dentro da estrutura da colonização portuguesa, na qual tinham várias obrigações a cumprir, porém, haviam também, direitos dos quais podiam usufruir.

A autora utiliza a história dos índios Termiminó para confirmar a sua tese de ressignificação e apropriação cultural das populações indígenas no Brasil colonial. 
 
Os Termiminó estavam em conflitos com os índios Tamoios durante o período de colonização portuguesa. Ao perceberem o seu enfraquecimento diante dos seus rivais, pediram ajuda ao portugueses, e se tornaram, por iniciativa própria, índios aldeados no Espírito Santo em 1555. A partir deste momento, se tornou mais comum observar relatos dos Termiminó em documentos contemporâneos.

Ao tentar desvendar a origem étnica desse grupo indígena, a autora encontra algumas dificuldades, por falta de documentação confiável. No entanto, a autora supõe que esses índios era na verdade, um grupo Tamoios, que, em conflitos com seus vizinhos, resolveram pedir ajuda aos portugueses.

A autora explica que, para os Termiminó, assumir a “posição de inimigos ancestrais dos Tamoios e de amigos dos brancos devia ser, naquele momento, bastante vantajoso, dadas as difíceis condições que atravessavam”. p. 54. Nesse sentido, a autora identifica uma imensa flexibilidade destes índios em relação às suas identificações, pois passaram de Tamoio para Termiminó, e depois para índios de São Lourenço com aparente facilidade.

A autora salienta que estudos recentes têm demonstrado “a prática de os índios assumirem mais de uma identidade, conforme o agente social com o qual interagem”. No caso dos Termiminó, havia uma interação com os portugueses, que nesse momento eram seus aliados e com os Tamoios, atuais inimigos. Nessa relação, havia um claro interesse Termiminó ao procurarem proteção diante dos portugueses, inimigos dos Tamoios. No entanto, a autora ressalta que, “os índios de São Lourenço não necessariamente abriam mão de seus próprios critérios de identificação entre si e em relação aos outros, embora tais critérios, com certeza se alterasse na colônia”. p . 56.

Nesse processo de afirmação de uma identidade de índio aldeado, o texto ressalta de que maneira as lideranças indígenas utilizavam o prestígio de seus antecessores para reivindicar direitos diante da coroa portuguesa. Segundo a autora, os argumentos dessas lideranças indígenas, para a obtenção das mercês, “demonstravam consciência da sua posição de índios aldeados”. p. 57. Nesse sentido, fica claro, que as lideranças indígenas sabiam que o benefício das mercês estava disponível para os que haviam prestado serviços à coroa, em socorro às necessidades de seus súditos. Para tanto, se utilizavam desse direito, exaltando os serviços prestados por seus antepassados.

Vale ressaltar que, “os índios eram súditos do Rei, com reconhecimento jurídico sobre sua condição específica de aldeado”. p. 58. Segundo a autora, a identidade de aldeado com o nome de batismo português se sobrepunha a sua identidade étnica, demonstrando que houve uma apropriação de novos valores nesse novo mundo em que eles estavam vivendo. Ser súdito do Rei poderia significar a possibilidade de conseguir benefícios diante da coroa.

Ao analisar sobre construção étnica dos índios aldeados e suas ações políticas no processo histórico de colonização, a historiadora expõe as dificuldades para identificar as características culturais e relações consanguíneas vivenciadas no interior das aldeias. No entanto, ela ressalta que “tal limitação já não constitui obstáculo para se pensar a possibilidade de considerá-los como grupos étnicos”. p. 59. Para a autora, “estudos recentes sobre etnicidade e cultura, tendem a priorizar cada vez mais as dimensões políticas e históricas, vividas pelos grupos indígenas, em situações de contato, deixando de considerar a cultura e muito menos as relações consanguíneas como elementos definidores de etnicidade”. p.59.

Segundo Maria Almeida, a ação política em comum e o sentimento subjetivo de comunidade, são elementos essenciais para a formação de comunhão étnica. De acordo com Cohen, os grupos étnicos, inseridos em sistemas sociais mais amplos, mantêm-se e fortificam-se, enquanto as diferenças políticas e econômicas que os distinguem continuarem existindo”. p.61.

Ao analisar sobre elementos culturais constituídos pelos povos indígenas aldeados, a autora discorre sobre as dificuldades de considerar a cultura como elemento-chave para definir grupos étnicos. Para a autora, as misturas e transformações ocorridas durante a colonização, tornou difícil identificar, entre os índio aldeados, sinais de manutenção de traços culturais. Ela explica, que essa dificuldade se deve em grande medida à limitação das fontes. Assim sendo, não indícios suficientes para “se afirmar que as populações das aldeias se distinguissem de seus vizinhos, moradores e foreiros em suas terras, por quaisquer sinais culturalmente visíveis”. p. 64.
 
Vale ressaltar, que a convivência nas aldeias, fazia desenvolver novos hábitos e costumes, e que em grande medida, dentro desse processo, os jesuítas desenvolveram papel fundamental, ao incentivar novos hábitos culturais. Nesse sentido, a língua geral, teve uma grande importância, pois, “introduzida e estimulada pelos jesuítas no interior das aldeias, desempenhou papel fundamental, no sentido de facilitar a comunicação entre os diferentes grupos étnicos e sociais na colônia, tendo contribuído para facilitar a coesão entre eles (…) no interior das aldeias, construiu-se uma nova cultura, que não era nem europeia nem indígena e seu idioma era a língua geral”. p. 64

Nesse estudo, a autora salienta também, a capacidade dos povos indígenas de reformularem seus mitos e compreensões do mundo. Mesmo reduzidos à condições de extrema dificuldade, esses grupos sociais foram capazes de reconstruir significados, fortalecendo assim, identidades culturais. A autora utiliza o caso da Santidade de Jaguaripe como exemplo de mito capaz de reconstruir e reelaborar seus significados, constituindo-se assim, como modo de consciência social.
 
Dentro desse processo de reconstrução dos significados, os índios aldeados misturaram sua história com a dos portugueses, se inserindo no contexto histórico, não como derrotados, e sim, como herois vitoriosos. 
 
Para a autora, a história desses povos estavam intimamente ligada com a dos portugueses, num mundo “que não era português, nem indígena, mas um mundo no qual diferentes grupos étnicos e sociais interagiam em sua construção e, neste processo, construíam suas identidades”. p. 68. A partir disso, construíam uma memória social condizente com o novo contexto em que estavam inseridos.

A autora salienta que ao assumirem uma identidade de subordinados, que foi concedida pelos colonizadores, os índios aldeados “reelaboraram-na para transformá-la em identidade gloriosa. Transformaram a derrota em vitória, trocando a condição de perdedores submissos, na qual a dominação os colocara, pela de vencedores da ordem colonial, fiéis servidores não só dos missionários e das autoridade locais, mas também, e principalmente, do Rei distante”. p.71.



1Wagner Aragão Teles é especialista em História Social e Econômica do Brasil e Pós- graduando do curso de História da Bahia pela Faculdade São Bento da Bahia.

História, Cultura e Poder


COUTO, Edilece Souza. Considerações Sobre a Produção Historiográfica das Religiões e Religiosidades na Bahia. In: DIAS, Luis Mattedi et al (Org.). História, Cultura e Poder. Salvador: EDUFBA, 2010. p. 141-146.






Wagner Aragão Teles dos Santos1






Neste trabalho, a autora visa analisar algumas obras de historiografia das religiões e religiosidades na Bahia, que foram produzidas e publicadas a partir da década de 1970. Observando assim, o aumento do número de pesquisas sobre religiões na Bahia neste período, em que o referencial historiográfico é a francesa Escola dos Annales.

Ao analisar os primórdios da História das Religiões, a autora explica que no início os historiadores tinham como preocupação, “a busca da origem das religiões, da essência da vida do homem religioso e da precisão dos textos e livros sagrados”, utilizando assim, o método comparativo para analisar os mitos, ritos, símbolos e instituições de diversos contextos religiosos. p.142. 
 
A autora explica que a História Religiosa, onde aborda apenas uma religião ou alguns dos seus aspectos teve seu desenvolvimento no século XX e que durante muito tempo, ela foi confundida com a história eclesiástica. Apenas na segunda metade do século XX ela se estabelece no meio acadêmico e científico.
Nesse período, há uma renovação na historiografia religiosa com a influência das novas abordagens trazidas pela historiografia francesa da Escola dos Annales, no qual, reconhece o homem como participante do processo histórico. “Nesse sentido, passaram a valorizar os modos de sentir e pensar das classes subalternas e a relação existente entre suas crenças e os aspectos sociopolítico e econômico” p.143.

Para a autora, a partir da década de 1970, a historiografia brasileira foi influenciada pela História das Mentalidades, herdeira dos Annales, abrindo-se para novos temas e novas perspectivas teóricas, ao valorizar temas ligados ao cotidiano e as representações. No entanto, com as críticas internas e externas desse campo historiográfico, considerado vago por muitos, a história das crenças migrou para a História Cultural, tendo como um dos seus principais expoentes, Carlo Ginzburg, defensor da teoria da “circularidade cultural”, o qual acredita na “existência de uma influência recíproca entre as culturas das classes subalternas e dominantes”.

Ao analisar a historiografia Baiana a partir da década de 1970, a autora identifica a importância do livro A heresia dos índios, de Ronaldo Vainfas para a historiografia sobre religiosidade no período colonial, por utilizar “reflexões e métodos da Antropologia na descrição minuciosa dos rituais: pregação dos pajés caraíbas, missa, batismo, etc”. p. 145.

Vainfas explorou justamente a junção dos elementos de raças e credos diversos, portanto a circularidade cultural, presente nesse catolicismo tupinambá. p.145.

A autora também ressalta a importância de Vainfas e de Luiz Mott nas pesquisas sobre sexualidade na Bahia colonial, em que evidenciam a existência de leis e regras de comportamento impostas pela igreja, para que os fiéis se afastassem das tentações sexuais, ao mesmo tempo que demonstra as inúmeras práticas sexuais condenadas pela igreja, praticada inclusive, por padres e freiras.

Sobre o período a Inquisição na Bahia colonial, a autora destaca o trabalho Lígia Belinni, que trata das práticas de sodomia entre as mulheres, e a dissertação e tese de Suzana Severs que trata sobre os cristãos novos na Bahia setecentista.

Ao tratar das pesquisas sobre as Ordens Terceiras, Edilece Couto destaca o trabalho de Maria Vital Camargo, que analisou “a organização interna da Ordem: Compromisso, administração, e composição da mesa, além da posição socioeconômica e religiosa dos irmãos”. p. 146. Outro trabalho destacado é o de Maria Socorro Martinez, que estudou as ordens terceiras em Salvador, tecendo comparações entre hierarquias e ideologias políticas entre as cinco instituições.

Dois trabalhos de João José Reis são lembrados pela autora. O livro A morte é uma festa e o artigo O cotidiano da morte no Brasil oitocentista. Nos dois trabalhos, o autor analisa a morte, em que “procurou compreender as concepções dos brasileiros. Sobretudo dos baianos, sobre o mundo dos mortos e dos espíritos”. p. 147

Dentre outros trabalhos observados, a autora analisa os estudos realizados sobre as festas, ressaltando que os estudos sobre este tema, a partir 1970, visou-se “compreender as festividades não apenas como momentos de diversão, mas ocasiões nas quais podem ser observados e analisados os comportamentos, atitudes, tensões, representações culturais e visões de mundo de uma coletividade.” p. 148. Dentre estes estudos estão o de Wlamyra Albuquerque, sobre a festa do Dois de Julho, e o de Eduardo Guimarães, sobre a festa do Bonfim.

Edilece Couto, observa também, que as religiões protestantes têm atraído a atenção dos pesquisadores baianos nos últimos anos. A dissertação e tese de Marli Geralda sobre a Primeira Igreja Batista é um dos exemplos que ela utiliza. Trabalho pioneiro, suas pesquisas são referência para o estudo sobre a expansão das igrejas protestantes em território baiano.

Por fim, a autora, explica que, “nessas quatro décadas de estudo sobre o campo religioso na Bahia, grande parte das obras aqui comentadas foram escritas por alunos que eram ou se tornaram professores do Programa de Pós-graduação em História da UFBA”. p. 152. Segundo ela, a partir de 1989, várias dissertações foram orientadas por esses professores.

A autora chega a conclusão que, entre os anos de 1989 e 2008 foram defendidas no Programa de Pós-graduação da UFBA, 23 dissertações e uma tese sobre religião. Sendo 8 sobre a Igreja Católica e as práticas leigas, 7 sobre Religião e Política, 4 sobre Ordens religiosas, 2 sobre Protestantismo e 2 sobre Messianismo.

A partir desses dados, a autora observa que há um vasto campo a ser pesquisado no que se refere às religiões Protestantes e Pentecostais na Bahia, pois, “a única dissertação defendida em História sobre a expansão do neopentecostalismo trata da Igreja Universal do Reino de Deus em Moçambique”. p. 154.

A autora revela que apesar dos avanços nesse campo de investigação, há ainda muito o que se investigar, pois, pesquisas sobre religiões afro-brasileiros, por exemplo, ainda é escassa.


1Wagner Aragão Teles é especialista em História Social e Econômica do Brasil e Pós- graduando do curso de História da Bahia pela Faculdade São Bento da Bahia.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Cafundó



CAFUNDÓ. Direção: Paulo Betti; Clóvis Bueno. Produção: Prole de Adão; Laz audiovisual Ltda. 102 min. 2005. Son, Color, Formato: 35mm.




Wagner Aragão Teles dos Santos1


O filme se passa no final do século XIX, logo após a abolição da escravidão no Brasil. Apesar do fim da escravidão, a vida do liberto, em quase nada mudara se comparado aos anos anteriores. Estava agora inserido numa sociedade, a qual oferecia condições de subsistência extremamente limitadas. Sujeitando-se a trabalhos, geralmente degradantes, em troca do mínimo para sobreviver. Muitos ainda, ligados aos seus antigos senhores, como forma de garantir proteção e condições de subsistência.

Segundo Walter Fraga, em seu livro Encruzilhadas da Liberdade, muitos libertos viam na permanência na propriedade do antigo senhor, uma alternativa concreta de ampliação dos seus espaços de sobrevivências e possibilidade de continuar a ter acesso à terra.2

É nesse contexto histórico que o filme aborda a vida de João de Camargo, ao lado de seu amigo Cirino. Ambos são enviados no início do filme para combater na Revolução Federalista em 1893, no Rio Grande do Sul, alistando-se no Exército a mando de seu ex-senhor, para servir a recém criada República Federativa do Brasil.

Ao voltar da guerra, João de Camargo têm dificuldades de se inserir socialmente na cidade de Sorocaba, pois, o Brasil Republicano passava agora por uma tímida industrialização nas cidades, dificultando assim, o cotidiano daqueles que passaram a vida toda trabalhando no campo. 

Com o fim da escravidão, houve no Brasil uma grande entrada de imigrantes europeus. A vinda desse imigrantes, certamente, tiraram a oportunidade de emprego de muitos libertos, pois, aumentara-se a oferta de mão de obra, principalmente, na região cafeeira do Brasil. Havia a preferência dos senhores do café pela força de trabalho vinda da Europa, impulsionando, em grande medida, parte dos libertos para áreas urbanas. Segundo Boris Fausto, “cerca de 3,8 milhões de estrangeiros entraram no Brasil entre 1887 e 1930. […] Essa concentração se explica, além de outros fatores, pela forte demanda de força de trabalho naqueles anos para a lavoura do café.”3

Em meio a esses problemas socioeconômicos, a crise de febre amarela, a morte da mãe e a uma desilusão amorosa, João de Camargo começa a ter visões espirituais. O filme mostra o futuro Preto Velho atormentado, num mundo, no qual forças espirituais pareciam estar tentando lhes dizer algo sobre o seu futuro. Amor, dor, desilusão e medo da morte, talvez fosse alguns dos sentimentos rotineiros na vida de inúmeros personagens que viviam em condições semelhantes ao de João de Camargo, no final do século XIX e início do século XX no Brasil.

A partir disso, João tem uma experiência espiritual, na qual se depara com Exú, Xangô, Nossa Senhora Aparecida e o Monsenhor João Soares do Amaral; que conhecera em vida. Nessa visão, João Soares diz a João de Camargo: “vai, levanta filho! Eis muita coisa para fazer. Vais construir aqui uma capela em homenagem a Senhor do Bonfim. E para de olhar para dentro. Sua vida vai ser ajudar os outros. Amenizar a dor. Curar os doentes.” 

Diante dessa experiência, João de Camargo começa a compor sua maneira de enxergar o mundo que o rodeia, num período de grandes mudanças para o país, onde estava havendo a consolidação da República do Brasil, políticas higienistas; baseadas no cientificismo europeu e a inusitada chegada da iluminação elétrica. 

Percebe-se uma clara assimilação, em sua maneira de enxergar o mundo espirital, de elementos do Candomblé, do Catolicismo e do Espiritismo, recém chegado da Europa. Durante a construção da Igreja Negra e Misteriosa da Água Vermelha, vê-se um ritual religioso, em que a estrela de Davi; símbolo judaico-cristã, ao lado de elementos da terra, ainda intimamente ligados à cultura indígena e africana, estão se misturando na cabeça de João Camargo, nascendo assim, uma nova forma de conceber o mundo imaterial.

Diante das mudanças na vida deste personagem e na do Brasil, o filme retrata o quanto João de Camargo se tornou uma pessoa conhecida, principalmente, entre os mais necessitados, atraindo assim, a ira da Igreja Católica e das políticas sanitaristas que combatiam o curandeirismo.

A igreja se incomodava com o sincretismo do novo líder espiritual, que trazia em grande medida, paz e conforto para uma população que se via excluída da nova República, recém instaurada.

O Estado o persegue através das políticas de higienização, que viam no curandeirismo um retrocesso às medidas de civilizar o Brasil nos padrões europeus. Vale lembrar, que nesse período, o Rio de Janeiro, por exemplo, estava vivendo movimentações populares, contrária a tais medidas, que ficaram conhecidas por Revolta da Vacina.

O filme retrata também, o quanto João de Camargo também não era aceito por quem cultuava a religiosidade vinda da África. Era acusado de fazer “reza de branco” e de querer virar branco. Para ele, “quem quisesse viver aqui [Brasil], tem que saber juntar tudo”. João era o amálgama de várias religiões. No entanto, não era aceito pelos seus irmão africanos, por estar negando seus antepassado, tão pouco pela Igreja Católica, que o chamava de herege. O Estado, acima de tudo, o acusava de curandeirismo.

Há uma cena no filme, em que percebe-se que a direção quis fazer uma analogia entre a figura de Cristo e a de João de Camargo. Ao voltar da prisão, e ver que os fiéis estava fazendo comércio em frente a Igreja da Água Vermelha, o líder espiritual, derruba todas as barracas que ali estavam, afirmando que ali não se vendia a palavra de Deus. Ato semelhante ao que Jesus fez em frente a Sinagoga de Carnafaum, ao expulsar os que vendiam e compravam produtos naquele lugar. (Marcos 11:15).

Apesar de priorizar em alguns momentos, elementos da cultura cristã, em detrimento de símbolos de outras religiosidades, o filme retrata bem, a vida do Preto Velho, que se tornou personagem importante da religiosidade brasileira, por ter levado fé, conforto e atenção aos que mais necessitavam.

1 Graduado em Licenciatura em História, pelo Centro Universitário Jorge Amado e Especialista em História Econômica e Social do Brasil, pela Faculdade São Bento da Bahia.
2 FRAGA FILHO, Walter. Encruzilhadas da Liberdade: histórias de escravos e libertos na Bahia (1870-1910). Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2006, p.245-282.   

3FAUSTO, Boris. História Concisa do Brasil. 2. ed, São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo, 2012. p.155.