segunda-feira, 14 de julho de 2014

A Tarde e a Construção dos Sentidos: ideologia e política (1928-1931)


FERREIRA, Maria do Socorro Soares. A Tarde e a Construção dos Sentidos: ideologia e política (1928 – 1931). Salvador: UFBA, 2002, 125P.





                                                                                                            Wagner Aragão Teles dos Santos 1



Desde o surgimento da imprensa brasileira em 1808, com a circulação dos primeiros números do periódico Correio Braziliense, feito em Londres e idealizado por Hipólito da Costa, que a imprensa brasileira vem fazendo o seu papel de grande formador da opinião pública nacional. No entanto, essa ferramenta, ou seja, o jornal, pode ser utilizado para propagação de ideias, com o objetivo de manter o pensamento popular vinculado à ideologia de quem controla esta ferramenta.

Baseando-se na afirmação marxista de que “as ideias dominantes, são, pois, nada mais que a expressão ideal das relações materiais dominantes” (MARX; ENGELS, 1932), vários historiadores vêm ao longo das últimas décadas, analisando o discurso dos periódicos que circularam no Brasil durante os séculos XIX e XX, com o intuito de decifrar os posicionamentos políticos, econômicos e ideológicos dos grupos que controlavam a produção e circulação desses jornais em várias partes do país.

Durante os anos da República Velha, aconteceu uma diversificação na imprensa brasileira. A política começa agora dividir espaço com matérias relacionadas ao discurso de “civilização” do país e da busca do progresso, em meio a uma grande inovação tecnológica, responsável pela melhoria  da qualidade gráfica dos jornais, como também, da diminuição dos custos de produção e consequentemente, do aumento das tiragens destes periódicos (ELEUTÉRIO, M. L, 2012).

Dentro deste contexto, a dissertação de Mestrado de Maria do Socorro Soares Ferreira, é baseada na análise do discurso da linha editorial do Jornal A Tarde. Periódico fundado por Ernesto Simões Filho em 1912.

A partir disto, a autora tenta identificar os posicionamentos políticos, econômicos e ideológicos, tendo como fontes primárias, exclusivamente, as páginas do jornal.

Segundo a autora, o jornal A Tarde, desde sua fundação, sempre esteve ligado a um grupo político na Bahia, sendo base de sustentação e o porta-voz de seus interesses políticos e econômicos no estado, tendo como objetivo, a preservação de seus privilégios.
Dentro desta perspectiva, para analisar e entender o discurso exposto nas páginas do jornal, assim como, compreender as relações políticas existentes na Bahia da primeira metade do século XX, a autora se baseia na noção de poder teorizada por Michel Foucault, que compreende o político como “elemento que tece as mais diversas relações sociais em todos os níveis”. Identificando o poder de uma forma mais ampla e constituída ao longo da história, deslocando assim, as investigações da esfera do estado, ou seja, de algo institucionalizado.

Para compreender as questões ideológicas analisadas pela autora em sua pesquisa, foi utilizado o conceito marxista de ideologia, ampliado pelas análises de Karl Mannheim no qual entende a de ideologia como “estrutura conceitual dos modos de pensar, definidos conforme as diferentes situações de vida dos sujeitos sociais implicados na sua visão de mundo”.

A partir disso, ao ampliar o conceito de ideologia, foi possível identificar, além dos interesses imediatos do grupo político que compunha o Partido Republicano da Bahia (PRB), ligado ao jornal A Tarde, como também, o modo de pensar da elite política e letrada da época.

A autora divide o trabalho em três capítulos, nos quais esclarece posicionamentos sociais, políticos e econômicos distintos de uma elite política baiana, que tinha uma visão de progresso alicerçada no pensamento iluminista, e contraditoriamente, pautada em valores conservadores e racistas, típicos do antigo regime político vigente no país até o século XIX.

No primeiro capítulo, a autora faz uma reconstituição do cenário político baiano no final da República Velha, analisando os interesses políticos do grupo apoiado por Simões Filho e o seu jornal, buscando entender a significação que o jornal A Tarde fazia do posicionamento da Aliança Liberal, liderada por Getúlio Vargas e consequentemente, do “movimento revolucionário de 1930”.

Ao reconstruir o cenário político desta época, percebe-se que o jornal A Tarde, desde sua fundação, período em que Ernesto Simões Filho era aliado de J. J. Seabra, sempre teve uma grande influência na política da Bahia.

Com o enfraquecimento do Partido Republicano Democrata (PRD), e de seu líder J. J. Seabra, no final da Primeira República, emergem duas forças políticas. Uma liderada por Góes Calmom e a outra, liderada por Otávio Mangabeira, aliado de J. J. Seabra até 1919.

Estes grupos, no entanto, se aliam  em 1927 para a fundação do Partido Republicano da Bahia (PRB). Partido que terá os interesses políticos e econômicos de seus membros, defendidos nas páginas  do jornal A Tarde, e que se colocará como uma força política oposta ao seabrismo na Bahia por toda segunda década do século passado.

Maria Ferreira ressalta, porém, que a oposição política no período da Primeira República, não significava divergências ideológicas, e sim, interesses e disputas pelo poder na Bahia, sem resultar em posicionamentos ideológicos distintos. A aliança política na formação do Partido Republicano da Bahia (PRB), em que ex-seabrista, calmonistas e mangabeiristas se unem como força oposicionista, demonstra claramente os interesses deste grupo. “A oposição portanto, era constituída pelos políticos que não estavam no poder, na 'situação', e batalhavam por estar”.

Dentro deste contexto, o jornal A Tarde se coloca como grande oposição à José Joaquim Seabra, aliado de Ernesto Simões Filho até 1913, quando este se desligara do Partido Republicano Conservador (PRC). Segundo a autora, o posicionamento crítico do jornal, diante da imagem decadente de J. J. Seabra, era uma maneira de mostrar o isolamento político do velho oligarca, e que se caracterizava “como fruto da ação cívica dos adversários”.

Para o jornal, Seabra fora um político de desempenho administrativo desastroso e que praticava uma “politicagem vergonhosa”, sendo o culpado de ter tornado a Bahia um “estado sem crédito”. Era chamado diariamente pelo vespertino, de “político antigo”, que dizia “inverdades sem proveito algum” e que não se conformava de ter saído do cenário político. Seabra e seus aliados eram chamados pelo jornal de “mentirosos, interesseiros, incompetentes e ladrões”.

Havia evidentemente, uma clara tentativa de eliminar toda a força política de Seabra no Estado, para que houvesse a manutenção da hegemonia da nova oligarquia política dominante do momento, de que Simões Filho fazia parte, como um dos grandes lideres, e que detinha o poder da informação através das folhas do jornal A Tarde.

Ao investigar o significado da “Revolução de 1930”, a autora identifica uma resistência da elite política baiana em aceitar o “movimento revolucionário”.

A autora explica que apesar da grande parte dos estados do Norte do país terem aderido ao movimento de 1930, a Bahia se manteve resistente, pois a nova hegemonia política liderada pelo Partido Republicano da Bahia, via neste movimento a possibilidade de perda desta hegemonia conquistada nos últimos anos. O grupo liderado por calmonistas e mangabeiristas apoiara  Júlio Prestes à Presidente da República, para as eleições de 1º de maio de 1930, tendo como vice, o candidato baiano e seu aliado político, o ex-seabrista, Vital Henrique Batista Soares. Assim, se mantiveram resistentes quando o “movimento revolucionário estoura em outubro daquele ano.

Durante a campanha eleitoral da Aliança Liberal, liderada por Getúlio Vargas, o jornal A Tarde considerava a candidatura “idealista” e “obra de ficção fadada à morte”. Aderi-la era um ato de “insignificância política. As páginas do periódico, mais uma vez trabalhara a favor do grupo político no qual o seu dono faz parte. Evidenciando o interesse da manutenção do status quo, da elite política dominante.

A Tarde se colocava como grande defensor da “ordem” e da razão, alicerçada na ideologia liberal burguesa, única capaz de “patrocinar o equilíbrio social”. Com o intuído de desqualificar o adversário, o periódico dizia que o liberalismo da Aliança Liberal era “fruto de um programa anarquista”, que visava pôr em risco a segurança das nossas instituições republicanas.

Durante o avanço das forças revolucionárias no sul do país, o jornal se mantinha indiferente, informando aos eleitores que os rumores das vitórias do movimento eram inverídicas, e que os “rebeldes” estavam recuando, na clara tentativa de acalmar a população baiana. Mesmo depois da deflagração do “movimento revolucionário”, o jornal, como porta-voz do grupo político liderado por Otávio Mangabeira, continuava dando sustentação ideológica, ao qualificar o movimento como uma “simples revolta”, que era “raquítica”, “inconstitucional, “sem ideias e sem verdadeiros estadistas”. Assim, o jornal A Tarde tecia a sua visão e seus significados sobre a “revolução de 1930, desqualificando assim o movimento, com o intuito da manutenção do atual grupo político no poder.

No segundo capítulo, Maria Ferreira analisa os matizes ideológicos no discurso do A Tarde diante das representações de alguns sujeitos sociais no final da década de 1920.

Para a autora, o jornal idealizava uma sociedade baseada nos princípios liberais, e se via no papel de “ensinar” a sociedade baiana a seguir aos padrões de “civilização”.

Com desenvolvimento tecnológico a partir da década de 1920, tendo o rádio como catalizador da propagação da informação, as elites políticas e econômicas vêm os meios de comunicação de massa, como ferramenta fundamental para se manterem no poder. Dessa maneira, idealizava-se um modelo contraditório de sociedade progressista, em que a “ordem” e a “moral” era fundamental para o desenvolvimento da sociedade, tendo o discurso  conservador, respaldado em autoridades antigas, em que o padrão de referência era baseado em hábitos do “mundo civilizado”.

O vespertino baiano, via na mudança da estética urbana de Salvador um elemento de progresso e civilidade, em que a eliminação da “feição feia” da cidade, era fundamental para os novos padrões estéticos. Protestava a favor da derrubada da igreja da Sé, pois, segundo seus articulistas, a igreja era considerada um “velho templo” e que a sua derrubada serviria para a realização de um “complexo programa de aformoseamento e higiene” da cidade de Salvador.

Vale relembrar que esse discurso de ordem e de progresso não era exclusividade nem da Bahia, nem muito menos do jornal A Tarde. Os homens que proclamara a República em 1889, se baseavam nesse discurso positivista, necessário, segundo eles, para o desenvolvimento da sociedade brasileira (FAUSTO, B, 2012).

Nesse contexto, A Tarde se reservava ao “papel pedagógico”, acreditando ser também responsável pela educação da população, dentro do conceito de progresso de uma sociedade liberal. Não bastava apenas a mudança física da Bahia, mas também, da “educação do povo da cidade”. Precisava “educar” a população baseada no projeto político e ideológico da oligarquia dominante, pois as “camadas populares” precisavam de “orientações”, necessárias para o bem-estar social.

Apesar de deixar claro que existem “propósitos deliberados e intencionais no ato comunicativo”, que atendem interesses específicos de um grupo, a autora não deixa claro, quais eram os interesses específicos da oligarquia dominante na Bahia, em relação ao discurso progressista e modernizador difundidos nas páginas do jornal. No entanto, ao tratar do imaginário político construído pelo periódico, a autora nos conta que a neutralidade política, era algo inexistente na imprensa baiana, pois, cada grupo jornalistico representava determinado segmento dominante, mas “nunca a totalidade dos interesses da classe dominante”. Sendo assim, o discurso político era alinhado aos interesses de um determinado grupo.

Ao investigar os significados que o jornal fazia sobre o papel da mulher na sociedade, identificou-se um conservadorismo, típico da sociedade machista do seu tempo e menos alinhada com o discurso democrático e liberal, propagado pelas páginas do A Tarde.

A mulher, na primeira metade do século XX, ainda era vista como um ser doce e maternal, sendo encarado com estranheza a inserção da mulher no mundo do trabalho. Para  alguns articulistas do jornal, ainda era muito cedo para as mulheres adquirirem o direito ao voto, pois, dentre outras coisas, havia a possibilidade, a partir da eliminação das desigualdades entre homens e mulheres, da destruição da sociedade e da maternidade. Para a autora, este posicionamento em relação às liberdades da mulher, era típico do liberalismo brasileiro, que repudiava ideias liberais que colocassem em risco valores há tempos constituídos.

Dentro dessa visão liberal conservadora, o jornal fazia representações distintas de negros e índios. Eram tratados como inferiores e incivilizados, demonstrando o desrespeito  à igualdade entre os cidadãos. O descontentamento era explícito, como quando se incomodaram com a aplicação de verbas públicas para atender necessidades indígenas, acreditando não ser correto a aplicação de verbas públicas em projetos relacionados às populações indígenas.

Maria Ferreira explica que o jornal expressava seu posicionamento racista, deixando transparecer sua “crença na hierarquização das raças”, ao menos tempo que pregava, contraditoriamente, a igualdade entre as pessoas.

No terceiro e último capítulo, a autora analisa o discurso do jornal diante dos interesses e problemas econômicos, e de suas possíveis soluções.

O jornal deixava evidente sua insatisfação com a inferioridade material do Brasil em relação a outras potências econômicas. Acreditava na necessidade de mudança na política econômica do país. No entanto, de maneira contraditória, pregava a modernização da produção, através do desenvolvimento tecnológico, ao mesmo tempo que defendia “a velha forma de exploração econômica, ou seja, a agricultura”. Partindo deste princípio, o jornal acreditava que o desenvolvimento tecnológico chegaria aos campos, possibilitando assim, o aumento da produção, e consequentemente, o desenvolvimento do país, resolvendo em grande medida, os nossos problemas econômicos.

Para a autora, os interesses imediatos de uma elite econômica que vivia da exploração agrícola, eram os responsáveis pelo posicionamento do jornal em relação à política econômica a ser adotada.

Alinhado com essa forma de pensar a economia brasileira, onde o setor agrícola é visto como o mais importante, o jornal expusera em 1931, sua preocupação com a vitalidade da agricultura baiana, ao defender a diminuição dos impostos sobre o fumo, assim como fez também, em 1928, ao defender incansavelmente, a intervenção do estado, através de subsídios ao cacau. Demonstrando assim, sua contradição em relação às ideias liberais largamente defendidas em suas páginas.

Ao esclarecer alguns dos significados construídos pela elite política e econômica baiana da primeira metade do século XX, este trabalho deixa claro a necessidade de continuarmos investigando os discursos ideológicos expostos nas páginas dos periódicos que foram produzidos em terras brasílicas desde 1808, por evidenciar os interesses de grupos políticos e econômicos que controlam a informação ao longo dos tempos. Contribuindo também, com as pesquisas que visam analisar estes discursos e interesses, camuflados, em grande medida, na imprensa escrita e televisiva de todo o país.

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Cora: lições de comportamento feminino na Bahia do século XIX.



 Reis, Adriana Dantas. Cora: lições de comportamento feminino na Bahia do século XIX. Salvador: FCJA; Centro de Estudos Bahiano da UFBA, 2000.




Wagner Aragão Teles dos Santos[1]


Este é um livro que se debruça sobre os debates relacionados às propostas de educação feminina na Bahia do século XIX. Dividida em 4 partes, a obra analisa as polêmicas geradas pelas Cartas Sobre a Educação de Cora, publicadas na segunda metade do século XIX, que estabelecia novos preceitos para educação da mulher da elite baiana, de acordo com a perspectiva civilizadora, influenciada pelo pensamento iluminista. Nessa perspectiva, a autora tenta entender o porquê do desencadeamento dessas polêmicas entre os homens letrados da Bahia. Na introdução do livro, a autora expõe as inúmeras fontes utilizadas e os arquivos visitados durante a pesquisa, evidenciando assim, o exaustivo trabalho realizado e todo seu rigor metodológico.
No primeiro capítulo, a autora tem como objetivo, retratar os espaços sociais ocupados pela mulher da elite feminina baiana antes e depois da chegada da Família Real em 1808. Analisado assim, a partir do olhar dos viajantes europeus, o contraste dos costumes femininos em Salvador, comparados com os das mulheres da Europa.
A partir dessa análise, a autora percebe que antes da chegada da Corte portuguesa, os espaços lúdicos para as mulheres da elite baiana eram limitados, basicamente, às festas religiosas. Como também, apesar de serem influenciadas, já nesse período, pela cultura da moda francesa, percebe-se que os padrões de moda e de hábitos de socialização não estavam em consonância com os da Europa do final do século XVIII e início do século XIX. Assim sendo, as mulheres brasileiras ainda viviam num mundo recluso onde a casa representava seu pequeno espaço de liberdade, pois, o espaço público, revelava-se como espaço de aparência e ostentação.
Com a chegada da corte em 1808, a autora identifica que os espaços de socialização da mulher começam-se ampliar, diante das festas promovidas, principalmente, pela família Real, no Rio de Janeiro. Porém, na Bahia, identifica-se que ainda havia uma sociabilidade limitada, mesmo nos anos do primeiro Reinado.
Durante o Segundo Reinado, os espaços lúdicos em Salvador se tornam mais comum, transformando a cidade em um centro cultural deste período. No entanto, Adriana Reis, deixa claro que mesmo com a ampliação desses espaços, as mulheres eram sempre conduzidas por um “braço masculino” tendo seu comportamento vigiado por todos, pois, qualquer deslize poderia comprometer a reputação da mulher, seja ela, solteira ou casada.
Neste mesmo capítulo, há uma tentativa de reconstrução dos espaços de socialização e dos hábitos cotidianos da mulher da elite do Recôncavo e do sertão baiano. Nessa investigação, em linhas gerais, a autora percebe que as mulheres dessas localidades estavam de uma maneira, ou de outra, sempre em contato com os hábitos e costumes praticados pelas mulheres da elite de Salvador, demonstrando que estavam atentas às mudanças sócio-culturais que aconteciam na capital baiana.
No segundo capítulo, Adriana Reis, de maneira muito lúcida, analisa a forma com que a igreja tentou vincular a imagem da mulher com a da Virgem Maria, e de que maneira a igreja reagiu contra as novas formas de socialização da elite feminina.
A igreja insistia que o cristianismo havia reabilitado a mulher do pecado cometido por Eva, no Jardim do Éden. Acreditando assim, que a mulher ideal era baseada na imagem da Virgem Maria.
 Nesta perspectiva, a mulher deixava de ser escrava, para se tornar companheira do homem. No entanto, essa mulher deveria ser submissa ao pai, ao marido e a Deus. Sendo assim, educada dentro dos princípios cristãos e preocupada  com a caridade aos mais necessitados.
Dentro deste contexto, a autora nos conta que a luta contra a influência europeia na educação da mulher da elite baiana, levou o arcebispo da Bahia, D. Romualdo Seixas, implementar as Irmãs de Caridade na Bahia, com o objetivo de cuidar da educação das mulheres baianas, pois, até a metade do século XIX, os conventos eram praticamente, os únicos espaços educacionais para a mulher, limitando-as dessa maneira, à reclusão.
Paralelo às ideias da igreja, e a partir da fundação da Faculdade Bahiana de Medicina em 1808, os discursos médicos de higienização e de racionalismo iluminista, pautados no  progresso e  na civilização, começam a ter grande influência na sociedade baiana nesse período, tendo como objetivo, tentar padronizar e racionalizar o comportamento feminino. Nesse sentido, o livro deixa claro que apesar do discurso iluminista dos médicos, as suas ideias de moral estavam alinhadas com as da igreja católica.
Enquanto a igreja criticava os novos trajes, os bailes e a vaidade das “moças dos sobrados”, tendo como justificativa, a moral cristã, os médicos os condenavam, a partir de argumentos científicos e higienistas. Porém, ao tratar do celibato, os médicos se colocavam inteiramente contra, argumentando que era uma prática que causava problemas físicos e morais, contrariando assim, os preceitos da igreja e consequentemente, do cristianismo.
No terceiro capítulo do livro, ao analisar o contexto em que as Cartas Sobre a Educação de Cora foram publicadas, Adriana Dantas, reconstrói de forma sucinta, a história do médico, José Lino Coutinho e de Ildefonça Laura Cezar, pais da menina Cora. A partir disso, o livro mostra também, a influência do pensamento iluminista na formação de Lino Coutinho, autor das cartas.
Ao analisar as cartas, a autora percebe que elas foram dividas em quatro fases, e que foram enviadas em cada momento distinto da vida de Cora, para que fosse um manual de  educação da menina. Sendo que a 1ª fase, correspondia do nascimento aos 7 anos de idade, se preocupando assim, com uma educação física e moral, dando pouca atenção para educação religiosa, enquanto que a 2º fase, que correspondia dos 7 ao 14 anos, tinha como objetivo uma educação que possibilitasse a diminuição do “fogo natural da idade”.  Nessa fase, diferentemente dos costumes da época, Lino recomendava o aprendizado das letras: gramática; música; história e francês. A educação religiosa, tinha como princípio, o conhecimento de Deus através da natureza, baseado no pensamento iluminista.
As cartas enviadas para tratar da 3ª fase da educação de Cora, tinha como um dos objetivos principais, dentre outras coisas, cuidar deste “tempo das paixões”, que segundo Lino Coutinho, todo cuidado neste período era pouco. A quarta e última fase, era a fase definida por Lino, como a fase da idade viril.
No último capítulo, o livro se debruça em torno do debate gerado pela publicação das cartas, na sociedade baiana. Analisando os inúmeros periódicos que foram publicados em Salvador neste período, a autora, demonstrando incrível rigor metodológico ao analisar as fontes, nos proporciona um delicioso debate entre os médicos da Faculdade Bahiana de Medicina e os representantes da igreja Católica, sobre a educação feminina.
Nesse cenário, a autora chega a conclusão, de que apesar das propostas inovadoras de José Lino Coutinho e de alguns representantes da classe médica local, os seus objetivos estavam em consonância  com o pensamento da igreja, ao criticar alguns dos novos costumes da elite feminina baiana. Dessa maneira, não havia a intenção de mudar o papel feminino na sociedade baiana, e sim, o de dar novos padrões para regular os seus espaços de socialização. Nesse sentido, a educação da mulher, tanto pelo viés médico, quanto pelo o olhar da igreja, tinha como objetivo principal, formar uma boa mãe, esposa e dona do lar.
A partir de tudo que foi analisado, podemos afirmar, que este livro é obra indispensável para os interessados em pesquisar o comportamento e a educação da mulher baiana no século XIX, fornecendo inúmeras informações necessárias para a discussão de gênero na área de História. Contribuindo assim, para o entendimento das construções históricas referente à natureza feminina.


[1] Wagner Aragão Teles dos Santos é Especialista em História Social e Econômica do Brasil e Pós- graduando do curso de História da Bahia pela Faculdade São Bento da Bahia.