George Moura Tavares
Wagner Aragão Teles
Na sua dissertação de mestrado,
intitulado Petroquímicos e a Greve geral de 1985, Iamara Andrade Sampaio se
propõe a discutir a greve de 1985, e todo o seu trabalho pode ser dividido em
três grandes partes: a primeira se propõe discutir a importância e a
consolidação do setor petroquímico no mundo, no Brasil e na Bahia; a segunda,
Iamara tende a descrever o ambiente de trabalho e as condições nas quais os
operários eram submetidos; e a terceira, a autora se reserva à descrição da greve, seus meandros e desfechos.
A greve faz parte de um tema
que é parte indissociável dos debates entre marxistas, sociólogos,
historiadores e claro, entre os indivíduos e sujeitos diretamente ligados a
greve e as condições e contradições que o capitalismo e o ambiente do trabalho
proporcionam.
Muitos estudiosos se debruçam a
respeito da relação histórica entre os homens. É a luta de classes em muito dos
casos o objeto de estudos destes, sendo a descoberta e estudo de casos que
confirmam, acrescentam, ou desmistificam antigas teorias. A greve nesse sentido, é um instrumento
utilizado pela classe operária, com o objetivo de obter ganhos salariais e
melhores condições no ambiente de trabalho. Contudo, a greve e a relação entre
patrão e operário só seria manipulado e fiscalizado pelos órgãos do Estado com
a criação da CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas). Antes disto era muito
recorrente a justiça defender de maneira desmedida a classe patronal.
Entretanto, alguns trabalhadores que
participaram da greve de 1985, sofreram uma perseguição que só veio a terminar
cerca de 20 anos depois. Pois, cerca de 200 operários que haviam sido demitidos, passaram a preencher uma espécie de “lista suja”, no qual nenhuma empresa do
pólo iria contratá-los devido a esta participação na greve. A anistia só
veio a ser dada pela justiça depois de pelo menos 10 anos de julgamento[1].
Contudo, como nos conta Iamara
Santana a experiência vivida pelos trabalhadores nesta greve de 1985, iria
proporcionar a construção de uma identidade e um sentimento de pertencimento a
todos aqueles que se solidarizaram e
tentaram melhorar as condições de vida fora e dentro do ambiente de
trabalho.
Iamara Sampaio em seu trabalho
inicia o debate fazendo uma releitura de algumas pesquisas que se propuseram a
discutir a greve de 1985, como os trabalhos de Guimarães, Eduardo Noronha,
Nadya Castro, João Lopes e Solange Bastos.
Nestes trabalhos, a leitura que
se faz dos acontecimentos deixa bem claro que o fracasso das negociações se deu
pela deterioração das relações entre patrões e operários e que este fracasso
fora percebido pelos operários como uma humilhação. Porém, a greve na leitura
destes pesquisadores significou uma demonstração de força e atividade
na busca pela melhoria na condição de vida dos operários.
Para estes, o que levou os
operários a iniciarem a greve foi a postura dos patrões em negar benefícios
sociais. E esta reivindicação por melhoria passava por uma tomada de
consciência da importância econômica deste pólo petroquímico para o Brasil e
para o mercado mundial.
Assim, esta importância teria que ser traduzido na valorização dos seus operários. Daqueles que colaboraram para a economia do seu país e do mundo.
Assim, esta importância teria que ser traduzido na valorização dos seus operários. Daqueles que colaboraram para a economia do seu país e do mundo.
Outra abordagem, que se segue é
a de que esta greve seria estimulada pelo desgaste do regime político do país,
onde a luta pelo fim do autoritarismo faria os trabalhadores do pólo lutar no
seu âmbito de trabalho pelo mesmo ideal. E o peleguismo praticado por alguns
colegas, levariam muitos à mobilização entre os trabalhadores de turno e do
setor administrativo. Assim, toda essa euforia nacional na luta pelo fim de um
regime antidemocrático, inclusive o movimento das “Diretas já”, proporcionaria
um clima de enfrentamento e reivindicação. Reivindicação esta que não fazia
parte apenas dos meios proletários, pois, no ano de 1981 deu-se
inicio a um quebra-quebra de ônibus em Salvador que refletiria o sentimento
político de algumas camadas da cidade. Toda esta atmosfera iria contagiar
os operários, pois, por obterem famílias e filhos e pensando no seu bem estar e de
todos, não mais tolerariam qualquer postura por parte de seus superiores, que
viesse a prejudicá-los.
Dando continuidade ao seu
trabalho, a autora passa em revista um breve histórico acerca do pólo
petroquímico no mundo, no Brasil e na Bahia. Sendo que a indústria petroquímica
surgiria nos EUA na década de 20-40, com o objetivo de solucionar um problema
de escassez de matéria-prima. Esta indústria teria por objetivo dar suporte às
outras produções industriais.
E este surgimento nos EUA foi
possível devido a concentração de capitais, logo após a primeira guerra mundial.
Contudo, na década de 1950 o Japão e a Europa também começam a manipular o
setor petroquímico. Sendo que os japoneses iriam inovar na forma de gestão dos
pólos petroquímicos, com a prática que ficara conhecida como “joint-venture”,
que seria uma maneira de dividir gastos e lucros com as empresas associadas,
obtendo também, tecnologias e matérias-primas.
No entanto, após a crise de
1973 os países desenvolvidos, e que trabalhavam com o setor petroquímico, passa a
delegar aos países em desenvolvimento este setor petroquímico. Uma tendência
que fazia parte da assim chamada Divisão Internacional do Trabalho, onde os
países desenvolveriam tecnologias, forneceriam capitais e aqueles seriam
responsáveis pela produção petroquímica.
É dentro deste contexto que o Brasil passa a manter contato com a indústria petroquímica, pois, durante muito tempo o Brasil permaneceria subserviente exclusivamente ao capital estrangeiro e à necessidade técnica para operar os pólos petroquímicos.
Esta tendência iria mudar a partir do governo de JK, que com o seu modelo desenvolvimentista iria olhar de maneira estratégica para o setor petroquímico.
É dentro deste contexto que o Brasil passa a manter contato com a indústria petroquímica, pois, durante muito tempo o Brasil permaneceria subserviente exclusivamente ao capital estrangeiro e à necessidade técnica para operar os pólos petroquímicos.
Esta tendência iria mudar a partir do governo de JK, que com o seu modelo desenvolvimentista iria olhar de maneira estratégica para o setor petroquímico.
Durante o Regime Militar
iria se consolidar a participação do Estado neste setor, com a criação, por
exemplo, da Petroquisa. Já que estaria havendo uma fuga de capitais privados e
esta economia não poderia regredir e por em risco o progresso brasileiro.
A petroquímica da Bahia fazia
parte de uma mudança de postura econômica e de produção das regiões brasileiras. O pólo petroquímico teria sido o resultado de uma busca iniciada com a
importância política de Juraci Magalhães com o governo federal de Janio Quadros
que conquistou e trouxe recursos para a Bahia, e que com Lomanto Jr., viria a
construir o Centro Industrial de Aratu.
Deste modo, toda uma estrutura
estaria sendo montada, para que os esforços em trazer o pólo petroquímico se
efetivassem. Como de fato se consolidou e fora construído a partir de recursos
deslocados da SUDENE, que também financiou a industrialização do Nordeste.
Dando continuidade ao trabalho,
Iamara Sampaio se preocupa em descrever o ambiente de trabalho, o que os
operários manipulavam para poder mover a indústria petroquímica, assim
enfatizando os riscos que todos se submetiam, como por exemplo, o gás natural,
nafta, gasóleo e dentre outros. Além de se submeterem aos equipamentos como
“esferas”, “fornos”, “tanques”, “reatores”, dentre outros.
Outra informação muito curiosa é a respeito do nível educacional dos trabalhadores, onde boa parte destes tinham apenas o nível básico de educação. Assim como o número de mulheres, que era inexpressivo.
Outra informação muito curiosa é a respeito do nível educacional dos trabalhadores, onde boa parte destes tinham apenas o nível básico de educação. Assim como o número de mulheres, que era inexpressivo.
Estas duas últimas informações
passam a ser muito interessantes, a primeira ocasiona-se por uma postura das
empresas multinacionais, que tendem a se instalar longe de seus países de
origens com o objetivo de conquistar mão-de-obra barata e diminuir os custos
com a produção. A segunda nos diz muito da cultura machista e patriarcal, onde
o número inexpressivo de mulheres seria o resultado de uma mentalidade que
situavam estas apenas como competentes ao mundo doméstico.
Outra informação, não menos
importante, é a de que haveria uma distinção de cor para a ocupação de certas
funções. Os negros deveriam assumir funções manuais, e os brancos seriam
selecionados a cargos administrativos.
A autora também, investiga o cotidiano fabril,
identificando os tipos de trabalhos exercidos pelos funcionários que mais
adiante participariam da greve.
As diferentes atividades exercidas na fábrica seriam fundamentais para a formação de identidades desses indivíduos.
As diferentes atividades exercidas na fábrica seriam fundamentais para a formação de identidades desses indivíduos.
As dificuldades enfrentadas
pelos trabalhadores foram explicitadas nos depoimentos dos operários.
O cansaço, a perda da vida
social proporcionada pelo trabalho de turno, a “dobra”, acima de tudo, são
suportados, por receberem salários melhores dos que eram pagos, normalmente,
pelo mercado de trabalho baiano naquele momento.
No entanto, a autora esclarece
que, com a atividade fabril “os trabalhadores se tornam complementos vivos de
um mecanismo morto que existe independente deles”. Assim sendo, os
trabalhadores, no rítimo do trabalho de turno, se tornam escravos do sistema produtivo
da indústria petroquímica, tendo suas vidas sociais extremamente limitadas a
poucas atividades de fim de semana.
Dentro dessa estrutura
perversa, a autora aborda também, os problemas de saúde enfrentados por esses
trabalhadores que estão submetidos à “disciplina da caserna”, expostos à
inúmeros casos de doenças do sistema respiratório, circulatório, nervoso,
dentre outros. Causados por produtos extremamente perigosos à saúde humana.
Para Iamara Sampaio, o
constante perigo vivido pelos operários fez com que se formassem laços de
solidariedade entre eles, pois à todo momento uma companheiro poderia depender
do outro.
No terceiro capítulo, a autora
investiga os motivos para o início da greve, a partir do surgimento dos
primeiros núcleos de organização coletiva entre os trabalhadores do pólo
petroquímico de Camaçari, entre eles a ASPETRO (Associação dos petroquímicos).
Evidenciando a influencia de idéias do “novo sindicalismo”, vindas do sudeste
do país, possibilitada em grande medida, pela grande exposição ocorrida nas
greves do ABC paulista entre os anos de 1978 e 1980.
Em meio a toda essa ebulição
sindical, o país sofre com a retração do capital internacional, ocasionada pela
crise do petróleo e consequentemente, o declínio de sua economia, aumentando a inflação
e elevando a dívida externa.
Para Iamara Sampaio, mudanças
na cultura política do país, como também, a instabilidade econômica, foram
responsáveis pelo aumento da participação política da sociedade civil,
proporcionando o surgimento de novas organizações populares e de aumento de
confronto com o poder público.
O sindicato nesse momento surge
na vida do trabalhador petroquímico de Camaçari, como um espaço de
socialização, onde as insatisfações do seu cotidiano fabril são transformadas
em reivindicações coletivas. Fazendo desse espaço, um espaço de fortalecimento
dos laços sociais dos trabalhadores petroquímicos, no qual nasce a consciência
de que juntos eles são fortes o suficiente para enfrentar o patronato das
empresas petroquímicas.
Partindo de uma análise
marxista, a autora compreende que as estruturas produtivas em que estavam
inseridos os trabalhadores do pólo petroquímico de Camaçari, foram responsáveis
pela eclosão da greve em 1985. Possibilitando naquele momento, que os
indivíduos se organizassem para lutar, não apenas por melhores salários, mas,
por melhores condições de trabalho e de reconhecimento por parte da chefia, de
seus serviços prestados nas fábricas.
Assim sendo, segundo Iamara
Sampaio, as causas propulsoras da greve não perpassam, por uma análise
individualista, em que a emancipação econômica se torna a motivação principal
nas reivindicações dos trabalhadores. A insatisfação salarial é apenas um dos
motivos dentre os vários envolvidos nas relações de trabalho do setor fabril,
responsáveis por conflitos resultantes das estruturas produtivas em que estão
inseridos os trabalhadores.
Ao analisar os depoimentos dos
trabalhadores envolvidos na greve de 1985, a autora observou que as assembléias
ocorridas antes da deflagração da greve, se tornaram em momentos de transformar
as suas angústias em questões políticas que servissem de reivindicações diante
do patronato.
Conscientes da classe da qual
fazem parte, os trabalhadores entram em greve em 27 de agosto de 1985 e
promovem dentro das fábricas o que eles chamam de “inchamento”.
Nesse momento, os trabalhadores
rompem com a lógica produtiva do capitalismo, controlando os meios de produção
da fábrica, violando assim, a “disciplina da caserna.”.
Todo o controle alienante do
sistema produtivo capitalista é subvertido pelos trabalhadores quando a
produção industrial é cessada, a partir da enorme destreza técnica dos
operadores, mesmo estando as máquinas em pleno funcionamento.
Dentro de uma atmosfera tensa e
angustiante, também é analisado os conflitos existentes entre os grevistas, a
chefia e o pessoal do setor administrativo durante o período de “inchamento”,
deixando evidente o posicionamento político de cada grupo envolvido no
ocorrido.
Mesmo tendo a imprensa desqualificando
o movimento grevista, a justiça criminalizando-os e os obrigando a abandonar as
fábricas, por estarem violando o direito de propriedade do patronato
petroquímico, os trabalhadores agora, se mantém unidos na granja “Novo Mundo”,
espaço de propriedade do sindicato.
Para a autora esse espaço foi
fundamental para fortalecer os laços de solidariedade entre os grevistas, além
de servir para evitar a dispersão após a saída da fábrica, pois, a
contra-ofensiva patronal em convocar funcionários que não aderiram à greve;
ex-funcionários; empreiteiras e operários sulistas para dar a partida nas
fábricas, poderiam nesse momento, fazer com que os trabalhadores se sentissem
coagidos ou aliciados à voltar ao serviço.
O aliciamento houve através das
esposas dos funcionários envolvidos na greve, as quais, eram incentivadas a
convencer seus maridos à voltar ao trabalho com a promessa de melhorias
hierárquicas dentro da empresa.
Ao se tratar dos trabalhadores
que cederam às pressões e voltaram ao serviço antes do fim da greve, a autora,
diante dos depoimentos dos operários, identificou que estes, foram excluídos
dos laços sociais existentes dentro do ambiente fabril. Foram responsabilizados
pelas demissões de 230 funcionários envolvidos no movimento grevista.
Para a autora, além da
aniquilação política, esses indivíduos foram impedidos de voltar a atuar no
setor petroquímico por toda a vida, sendo rejeitados em várias fábricas do
setor petroquímico espalhadas pelo Brasil.
Porém, mesmo com as baixas
desses operários, Iamara Sampaio, acredita que a greve de 1985 no pólo
petroquímico de Camaçari, por si só, já foi vitoriosa, por ter se transformado
num movimento de classe que confrontou o poder econômico e político, numa ação
autônoma e independente dos trabalhadores.
Ao analisar o cotidiano fabril
dos trabalhadores do pólo petroquímico de Camaçari e identificar as forças
propulsoras responsáveis pela greve, este trabalho de Iamara Sampaio, demonstra
o quanto a análise marxista, sob a ótica do materialismo histórico, ainda consegue
dar respostas contundentes à historiografia contemporânea.
[1]
Texto de Samuel Celestino cujo título, Petroquímicos da greve de 1985 são
anistiados, está disponível em: http://bahianoticias.com.br/principal/samuel-celestino/2559-petroquimicos-da-greve-de-1985-sao-anistiados.html.