quarta-feira, 11 de julho de 2012

Petroquímicos e a Greve Geral de 1985

SAMPAIO, Iamara Andrade. Petroquímicos e a Greve Geral de 1985.

                        


George Moura Tavares
Wagner Aragão Teles


Na sua dissertação de mestrado, intitulado Petroquímicos e a Greve geral de 1985, Iamara Andrade Sampaio se propõe a discutir a greve de 1985, e todo o seu trabalho pode ser dividido em três grandes partes: a primeira se propõe discutir a importância e a consolidação do setor petroquímico no mundo, no Brasil e na Bahia; a segunda, Iamara tende a descrever o ambiente de trabalho e as condições nas quais os operários eram submetidos; e a terceira, a autora se reserva à descrição da greve, seus meandros e desfechos.
A greve faz parte de um tema que é parte indissociável dos debates entre marxistas, sociólogos, historiadores e claro, entre os indivíduos e sujeitos diretamente ligados a greve e as condições e contradições que o capitalismo e o ambiente do trabalho proporcionam.
Muitos estudiosos se debruçam a respeito da relação histórica entre os homens. É a luta de classes em muito dos casos o objeto de estudos destes, sendo a descoberta e estudo de casos que confirmam, acrescentam, ou desmistificam antigas teorias. A greve nesse sentido, é um instrumento utilizado pela  classe operária, com o objetivo de obter ganhos salariais e melhores condições no ambiente de trabalho. Contudo, a greve e a relação entre patrão e operário só seria manipulado e fiscalizado pelos órgãos do Estado com a criação da CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas). Antes disto era muito recorrente a justiça defender de maneira desmedida a classe patronal.
Entretanto, alguns trabalhadores que participaram da greve de 1985, sofreram uma perseguição que só veio a terminar cerca de 20 anos depois. Pois, cerca de 200 operários que haviam sido demitidos, passaram a preencher uma espécie de “lista suja”, no qual nenhuma empresa do pólo iria contratá-los devido a esta participação na greve. A anistia só veio a ser dada pela justiça depois de pelo menos 10 anos de julgamento[1].
Contudo, como nos conta Iamara Santana a experiência vivida pelos trabalhadores nesta greve de 1985, iria proporcionar a construção de uma identidade e um sentimento de pertencimento a todos aqueles que se solidarizaram e  tentaram melhorar as condições de vida fora e dentro do ambiente de trabalho.
Iamara Sampaio em seu trabalho inicia o debate fazendo uma releitura de algumas pesquisas que se propuseram a discutir a greve de 1985, como os trabalhos de Guimarães, Eduardo Noronha, Nadya Castro, João Lopes e Solange Bastos.
Nestes trabalhos, a leitura que se faz dos acontecimentos deixa bem claro que o fracasso das negociações se deu pela deterioração das relações entre patrões e operários e que este fracasso fora percebido pelos operários como uma humilhação. Porém, a greve na leitura destes pesquisadores  significou uma demonstração de força e atividade na busca pela melhoria na condição de vida dos operários.
Para estes, o que levou os operários a iniciarem a greve foi a postura dos patrões em negar benefícios sociais. E esta reivindicação por melhoria passava por uma tomada de consciência da importância econômica deste pólo petroquímico para o Brasil e para o mercado mundial.
 Assim, esta importância teria que ser traduzido na valorização dos seus operários. Daqueles que colaboraram para a economia do seu país e do mundo.
Outra abordagem, que se segue é a de que esta greve seria estimulada pelo desgaste do regime político do país, onde a luta pelo fim do autoritarismo faria os trabalhadores do pólo lutar no seu âmbito de trabalho pelo mesmo ideal. E o peleguismo praticado por alguns colegas, levariam muitos à mobilização entre os trabalhadores de turno e do setor administrativo. Assim, toda essa euforia nacional na luta pelo fim de um regime antidemocrático, inclusive o movimento das “Diretas já”, proporcionaria um clima de enfrentamento e reivindicação. Reivindicação esta que não fazia parte apenas dos meios proletários, pois, no ano de 1981 deu-se inicio a um quebra-quebra de ônibus em Salvador que refletiria o sentimento político de algumas camadas da cidade. Toda esta atmosfera iria contagiar os operários, pois, por obterem famílias e filhos e pensando no seu bem estar e de todos, não mais tolerariam qualquer postura por parte de seus superiores, que viesse a prejudicá-los.
Dando continuidade ao seu trabalho, a autora passa em revista um breve histórico acerca do pólo petroquímico no mundo, no Brasil e na Bahia. Sendo que a indústria petroquímica surgiria nos EUA na década de 20-40, com o objetivo de solucionar um problema de escassez de matéria-prima. Esta indústria teria por objetivo dar suporte às outras produções industriais.
E este surgimento nos EUA foi possível devido a concentração de capitais, logo após a primeira guerra mundial. Contudo, na década de 1950 o Japão e a Europa também começam a manipular o setor petroquímico. Sendo que os japoneses iriam inovar na forma de gestão dos pólos petroquímicos, com a prática que ficara conhecida como “joint-venture”, que seria uma maneira de dividir gastos e lucros com as empresas associadas, obtendo também, tecnologias e matérias-primas.
No entanto, após a crise de 1973 os países desenvolvidos, e que trabalhavam com o setor petroquímico, passa a delegar aos países em desenvolvimento este setor petroquímico. Uma tendência que fazia parte da assim chamada Divisão Internacional do Trabalho, onde os países desenvolveriam tecnologias, forneceriam capitais e aqueles seriam responsáveis pela produção petroquímica.
 É dentro deste contexto que o Brasil passa a manter contato com a indústria petroquímica, pois, durante muito tempo o Brasil permaneceria subserviente exclusivamente ao capital estrangeiro e à necessidade técnica para operar os pólos petroquímicos. 
Esta tendência iria mudar a partir do governo de JK, que com o seu modelo desenvolvimentista iria olhar de maneira estratégica para o setor petroquímico.
Durante o Regime Militar iria se consolidar a participação do Estado neste setor, com a criação, por exemplo, da Petroquisa. Já que estaria havendo uma fuga de capitais privados e esta economia não poderia regredir e por em risco o progresso brasileiro.
A petroquímica da Bahia fazia parte de uma mudança de postura econômica e de produção das regiões brasileiras. O pólo petroquímico teria sido o resultado de uma busca iniciada com a importância política de Juraci Magalhães com o governo federal de Janio Quadros que conquistou e trouxe recursos para a Bahia, e que com Lomanto Jr., viria a construir o Centro Industrial de Aratu.
Deste modo, toda uma estrutura estaria sendo montada, para que os esforços em trazer o pólo petroquímico se efetivassem. Como de fato se consolidou e fora construído a partir de recursos deslocados da SUDENE, que também financiou a industrialização do Nordeste.
Dando continuidade ao trabalho, Iamara Sampaio se preocupa em descrever o ambiente de trabalho, o que os operários manipulavam para poder mover a indústria petroquímica, assim enfatizando os riscos que todos se submetiam, como por exemplo, o gás natural, nafta, gasóleo e dentre outros. Além de se submeterem aos equipamentos como “esferas”, “fornos”, “tanques”, “reatores”, dentre outros.
 Outra informação muito curiosa é a respeito do nível educacional dos trabalhadores, onde boa parte destes tinham apenas o nível básico de educação. Assim como o número de mulheres, que era inexpressivo.
Estas duas últimas informações passam a ser muito interessantes, a primeira ocasiona-se por uma postura das empresas multinacionais, que tendem a se instalar longe de seus países de origens com o objetivo de conquistar mão-de-obra barata e diminuir os custos com a produção. A segunda nos diz muito da cultura machista e patriarcal, onde o número inexpressivo de mulheres seria o resultado de uma mentalidade que situavam estas apenas como competentes ao mundo doméstico.
Outra informação, não menos importante, é a de que haveria uma distinção de cor para a ocupação de certas funções. Os negros deveriam assumir funções manuais, e os brancos seriam selecionados a cargos administrativos.
 A autora também, investiga o cotidiano fabril, identificando os tipos de trabalhos exercidos pelos funcionários que mais adiante participariam da greve. 
As diferentes atividades exercidas na fábrica seriam fundamentais para a formação de identidades desses indivíduos.
As dificuldades enfrentadas pelos trabalhadores foram explicitadas nos depoimentos dos operários.
O cansaço, a perda da vida social proporcionada pelo trabalho de turno, a “dobra”, acima de tudo, são suportados, por receberem salários melhores dos que eram pagos, normalmente, pelo mercado de trabalho baiano naquele momento.
No entanto, a autora esclarece que, com a atividade fabril “os trabalhadores se tornam complementos vivos de um mecanismo morto que existe independente deles”. Assim sendo, os trabalhadores, no rítimo do trabalho de turno, se tornam escravos do sistema produtivo da indústria petroquímica, tendo suas vidas sociais extremamente limitadas a poucas atividades de fim de semana.
Dentro dessa estrutura perversa, a autora aborda também, os problemas de saúde enfrentados por esses trabalhadores que estão submetidos à “disciplina da caserna”, expostos à inúmeros casos de doenças do sistema respiratório, circulatório, nervoso, dentre outros. Causados por produtos extremamente perigosos à saúde humana.
Para Iamara Sampaio, o constante perigo vivido pelos operários fez com que se formassem laços de solidariedade entre eles, pois à todo momento uma companheiro poderia depender do outro.
No terceiro capítulo, a autora investiga os motivos para o início da greve, a partir do surgimento dos primeiros núcleos de organização coletiva entre os trabalhadores do pólo petroquímico de Camaçari, entre eles a ASPETRO (Associação dos petroquímicos). Evidenciando a influencia de idéias do “novo sindicalismo”, vindas do sudeste do país, possibilitada em grande medida, pela grande exposição ocorrida nas greves do ABC paulista entre os anos de 1978 e 1980.
Em meio a toda essa ebulição sindical, o país sofre com a retração do capital internacional, ocasionada pela crise do petróleo e consequentemente, o declínio de sua economia, aumentando a inflação e elevando a dívida externa.
Para Iamara Sampaio, mudanças na cultura política do país, como também, a instabilidade econômica, foram responsáveis pelo aumento da participação política da sociedade civil, proporcionando o surgimento de novas organizações populares e de aumento de confronto com o poder público.
O sindicato nesse momento surge na vida do trabalhador petroquímico de Camaçari, como um espaço de socialização, onde as insatisfações do seu cotidiano fabril são transformadas em reivindicações coletivas. Fazendo desse espaço, um espaço de fortalecimento dos laços sociais dos trabalhadores petroquímicos, no qual nasce a consciência de que juntos eles são fortes o suficiente para enfrentar o patronato das empresas petroquímicas.
Partindo de uma análise marxista, a autora compreende que as estruturas produtivas em que estavam inseridos os trabalhadores do pólo petroquímico de Camaçari, foram responsáveis pela eclosão da greve em 1985. Possibilitando naquele momento, que os indivíduos se organizassem para lutar, não apenas por melhores salários, mas, por melhores condições de trabalho e de reconhecimento por parte da chefia, de seus serviços prestados nas fábricas.
Assim sendo, segundo Iamara Sampaio, as causas propulsoras da greve não perpassam, por uma análise individualista, em que a emancipação econômica se torna a motivação principal nas reivindicações dos trabalhadores. A insatisfação salarial é apenas um dos motivos dentre os vários envolvidos nas relações de trabalho do setor fabril, responsáveis por conflitos resultantes das estruturas produtivas em que estão inseridos os trabalhadores.
Ao analisar os depoimentos dos trabalhadores envolvidos na greve de 1985, a autora observou que as assembléias ocorridas antes da deflagração da greve, se tornaram em momentos de transformar as suas angústias em questões políticas que servissem de reivindicações diante do patronato.
Conscientes da classe da qual fazem parte, os trabalhadores entram em greve em 27 de agosto de 1985 e promovem dentro das fábricas o que eles chamam de “inchamento”.
Nesse momento, os trabalhadores rompem com a lógica produtiva do capitalismo, controlando os meios de produção da fábrica, violando assim, a “disciplina da caserna.”.
Todo o controle alienante do sistema produtivo capitalista é subvertido pelos trabalhadores quando a produção industrial é cessada, a partir da enorme destreza técnica dos operadores, mesmo estando as máquinas em pleno funcionamento.
Dentro de uma atmosfera tensa e angustiante, também é analisado os conflitos existentes entre os grevistas, a chefia e o pessoal do setor administrativo durante o período de “inchamento”, deixando evidente o posicionamento político de cada grupo envolvido no ocorrido.
Mesmo tendo a imprensa desqualificando o movimento grevista, a justiça criminalizando-os e os obrigando a abandonar as fábricas, por estarem violando o direito de propriedade do patronato petroquímico, os trabalhadores agora, se mantém unidos na granja “Novo Mundo”, espaço de propriedade do sindicato.
Para a autora esse espaço foi fundamental para fortalecer os laços de solidariedade entre os grevistas, além de servir para evitar a dispersão após a saída da fábrica, pois, a contra-ofensiva patronal em convocar funcionários que não aderiram à greve; ex-funcionários; empreiteiras e operários sulistas para dar a partida nas fábricas, poderiam nesse momento, fazer com que os trabalhadores se sentissem coagidos ou aliciados à voltar ao serviço.
O aliciamento houve através das esposas dos funcionários envolvidos na greve, as quais, eram incentivadas a convencer seus maridos à voltar ao trabalho com a promessa de melhorias hierárquicas dentro da empresa.
Ao se tratar dos trabalhadores que cederam às pressões e voltaram ao serviço antes do fim da greve, a autora, diante dos depoimentos dos operários, identificou que estes, foram excluídos dos laços sociais existentes dentro do ambiente fabril. Foram responsabilizados pelas demissões de 230 funcionários envolvidos no movimento grevista.
Para a autora, além da aniquilação política, esses indivíduos foram impedidos de voltar a atuar no setor petroquímico por toda a vida, sendo rejeitados em várias fábricas do setor petroquímico espalhadas pelo Brasil.
Porém, mesmo com as baixas desses operários, Iamara Sampaio, acredita que a greve de 1985 no pólo petroquímico de Camaçari, por si só, já foi vitoriosa, por ter se transformado num movimento de classe que confrontou o poder econômico e político, numa ação autônoma e independente dos trabalhadores.
Ao analisar o cotidiano fabril dos trabalhadores do pólo petroquímico de Camaçari e identificar as forças propulsoras responsáveis pela greve, este trabalho de Iamara Sampaio, demonstra o quanto a análise marxista, sob a ótica do materialismo histórico, ainda consegue dar respostas contundentes à historiografia contemporânea.


[1] Texto de Samuel Celestino cujo título, Petroquímicos da greve de 1985 são anistiados, está disponível em: http://bahianoticias.com.br/principal/samuel-celestino/2559-petroquimicos-da-greve-de-1985-sao-anistiados.html.