O OFÍCIO DO HISTORIADOR E O DIÁLOGO COM A ANTROPOLOGIA
Wagner Aragão Teles dos Santos[1]
Resumo: Este presente trabalho aborda o ofício do historiador
a partir da interdisciplinaridade da pesquisa historiográfica. Demonstrando a
importância de outras ciências para interpretação da trajetória humana no
passado, tendo as discursões entre História e Antropologia no centro deste
estudo.
Palavra-Chave: História, Historiografia, Antropologia, Interdisciplinaridade
O estudo da história ao longo dos últimos séculos tem passado por uma
revolução significativa no que se refere à pesquisa e suas infinitas
ferramentas que foram sendo agregadas com o passar dos tempos.
Por muito tempo a história foi contada como narrativas de fatos
considerados importantes por historiadores que nos antecederam.
A história política, a história dos grandes homens, dos grandes
acontecimentos, por muitos séculos, foram os temas em que os historiadores mais
deram importância.
Na Grécia Antiga, por volta de 440 a.C. o pai da história, Heródoto de
Halicarnasso, privilegiou a guerra dos gregos contra os persas em sua obra, As Histórias de Heródoto. Tucídides mais
tarde, narra a história da guerra de Atenas contra Esparta no livro, A História do Peloponeso. No império
Romano, Suetônio foi apenas um de muitos historiadores de sua época que dá
ênfase a história dos imperadores, fazendo um grande estudo para escrever A vida dos doze césares. Livro que conta
com detalhes a vida dos doze primeiros Cezares.
No século XIX a escola metódica acreditava que o documento falava por si
só. Procuravam se afastar de interpretações que pudessem ser dadas aos
documentos, pois, para eles, os documentos oficiais expressavam a verdade
histórica dos fatos.
Poderíamos escrever sobre várias formas de se produzir trabalhos
historiográficos ao longo dos séculos, para perceber os avanços ocorridos em
cada período no que se refere à pesquisa nessa área. Um exemplo disso é o que
Marc Bloch, um dos maiores historiadores do século XX, diz:[2]
“Mesmo permanecendo pacificamente fiel ao seu glorioso nome helênico, nossa
história não será absolutamente, por isso, aquela que escrevia Hecateu de
Mileto”. Demonstrando com isso, as várias “caras” da história ao longo dos
séculos.
No entanto, vamos dar um salto até
o século XX para falar do movimento que, nas palavras de Peter Burke, fez a
“Revolução Francesa da Historiografia Francesa”.[3]
Estamos falando da Escola dos Annales. Movimento que surge com o
nascimento da revista Annales d’histoire
économique et sociale em 1929, liderada por um especialista no século XVI,
Lucien Febvre e o já citado, medievalista Marc Bloch.
Entre inúmeros avanços em relação à pesquisa na área de História, uma das
principais contribuições dessa corrente historiográfica foi mostrar a
possibilidades do diálogo do historiador com outras ciências ao se pesquisar o
passado.
A partir desse principio vamos discorrer sobre a importância da
Antropologia no ofício do Historiador contemporâneo e a importância da História
na pesquisa antropológica, tendo como base o artigo de Lilian Schwarcz, Questões de Fronteiras Sobre uma
Antropologia da História e o livro de Cliffford Geertz, A Interpretação das Culturas.
Em seu estudo, Lilian coloca em pauta as várias discursões sobre a importância
da história em relação à pesquisa na área da Antropologia.
Segundo Lilian, alguns antropólogos acreditavam que determinadas
sociedades “primitivas” na tinha história e por tanto, eram “fósseis” vivos. E
que a partir do estudo dessas sociedades no presente poder-se-ia dizer algo sobre
o seu passado.
O historiador Varnhagen, conhecido por ser um dos primeiros a escrever
sobre a formação da sociedade brasileira, cita: “de tais povos na infância não
há História: há só etnografia.” Se referindo às populações indígenas no Brasil.
Demonstrando, segundo ele, a impossibilidade de se escrever a história dessas
sociedades.
Com isso, muitos antropólogos,
para se afastarem das teorias evolucionistas defendidas por alguns historiadores,
resolvem utilizar apenas o “modelo
diacrônico” em seus estudos. Contudo, Lilian explica que, que Franz Boas,
defensor desse método de investigação, não conseguiu encontrar história tendo
como base apenas a etnografia.
Todavia, sabemos, que toda sociedade tem sua história. E que a partir das
infinitas ferramentas metodológicas utilizadas pelo pesquisador podemos estudar
boa parte desse passado com o mínimo de vestígio. Pois, a arqueologia e a
história oral, por exemplo, podem auxiliar nesses estudos, encontrando
respostas onde apenas o olhar do etnógrafo não foi capaz de encontrar.
Na metade do século passado trava-se uma “batalha” entre antropólogos e
historiadores para se definir a área de atuação de cada disciplina. Segundo
Redcliffe-Brown: “ao etnógrafo destina-se o conhecimento direto, fruto da
observação dos povos que estuda; já os historiadores se limitam aos arquivos.”
Deixando evidente para ele qual é o
objeto de estudo de cada uma das duas disciplinas.
Começa-se então, tentar definir a área de atuação de cada uma das
ciências. O próprio Lévi-Strauss explica que, “enquanto o historiador se
debruça sobre muitos documentos, o antropólogo observa apenas um”. Porém,
Evans-Pritchard, demonstrar menos rigidez nesse racha entre a história e a
antropologia ao afirmar que, “o fato de os antropólogos estudarem pessoas em
primeira mão, e os historiadores através de documentos, era apenas uma questão
técnica”.
Evans-Pritchard,
já na década de 50 do século passado, chega a conclusão de que mesmo sendo área
da antropologia as sociedades contemporâneas, seria impossível ignorar a
história. Ele diz:
O conhecimento do passado
leva a uma compreensão mais profunda da natureza da vida social no presente. A
história não é mera sucessão de eventos, mas sim a relação entre eles; seu
processo de desenvolvimento.
O passado está contido no
presente como este no futuro.
A partir das analises de Pritchard podemos chegar à conclusão de que a
história e a antropologia não são ciências tão diferentes uma da outra. Apenas
metodologias diferentes ao se pesquisar, sendo que, uma pode precisar da outra
em suas pesquisas separadamente.
Clifford Geertz em seu livro, A
interpretação das culturas, explica que em Antropologia, o que os seus
praticantes fazem é etnologia, ou seja, eles observam a sociedade que está
pesquisando.
Um bom historiador, dependendo do que se está pesquisando, não faz muito
diferente, pois, o historiador deve também observar através dos documentos o
comportamento, as relações sociais e os traços culturais de uma determinada
sociedade. A diferença é que o
historiador busca as respostas do passado através dos vestígios deixados nos
documentos. Sejam eles, documentos oficiais do Estado ou não, como também,
documentos iconográficos por exemplo.
Poder-se-ia contestar a eficiência dessa metodologia no estudo de uma
determinada sociedade no passado, pois, o historiador não teria convivido com
ela para entender os vários signos existentes, que possibilitasse melhor
compreensão.
Esse mesmo tipo de questionamento, mas, voltado à antropologia, Geertz
responde, ao explicar sobre o estudo através de textos antropológicos. Ele
ressalta que apenas um nativo poderia fazer uma interpretação em primeira mão
de uma determinada sociedade, pois, ele está inserido nela. Apenas ele, o
nativo, é capaz de interpretar todas as redes de significados existentes em sua
sociedade.[4]
Mas isso não impede o antropólogo de tentar entender os signos existentes
nessas sociedades através das observações. Da mesma forma que o historiador não
pode se privar de tentar entender esses signos através dos documentos que ele
está estudando.
Um bom exemplo disso é o relato tirado do diário de campo de Geertz, em
que ele conta sobre o desentendimento gerado entre franceses, um judeu e um
pequeno grupo Marmusha, nas montanhas do Marrocos central em 1912.[5]
Mesmo vivendo na região, os franceses não tinham acesso à variedades de
códigos sociais existentes entre as tribos locais, o que levou a condenar o
judeu Cohen por traição.
Por outro lado, Cohen, por já ter conhecimento dessas redes de
significados, foi atrás de seu ressarcimento por ter sido roubado e ter pessoas
próximas mortas, e voltado com seu rebanho. Assim como Cohen, a boa observação
etnográfica feita por Cliffod Geertz, fez com que ele, através de suas
observações e anotações, tenha decodificado esses signos para poder interpretar.
É evidente também, que o historiador apenas com seus documentos escritos,
não teria como fazer “descrições densas” de traços culturais e comportamentais
de uma determinada sociedade no passado como um etnólogo faz no presente. No
entanto, nada o impede de tentar observar, seja através dos documentos
escritos, ou com o auxílio da história oral ou a iconografia; como também, com as
metodologias utilizadas pelas ciências antropológicas e sociológicas, para com
isso ampliar seu olhar sobre a pesquisa..
Foi o movimento dos Annales, que, além de impedir que a história fosse
descartada pela antropologia, possibilitou também, que ela dialogasse com
outras ciências, inclusive a própria antropologia. Criando assim, uma
interdisciplinaridade entre as ciências, na busca de respostas para nossas
inquietudes.
Peter Burke demonstra no fim do seu livro, A Escola dos Annales, que essa, é para ele também, a maior
contribuição no campo da história[6]:
Da minha perspectiva, a mais importante contribuição
do grupo dos Annales, incluindo-se as
três gerações, foi expandir o campo da história por diversas áreas. O grupo
ampliou o território da história, abrangendo áreas inesperadas do comportamento
humano e a grupos sociais negligenciados pelos historiadores tradicionais.
Essas extensões do território histórico estão vinculadas à descobertas de novas
fontes e ao desenvolvimento de novos métodos para explorá-las. Estão também
associadas à colaboração com outras ciências, ligadas ao estudo da humanidade,
da geografia à lingüística, da economia à psicologia. Essa colaboração
interdisciplinar manteve-se por mais de sessenta anos, um fenômeno sem
precedentes na história das ciências sociais.
Hoje, portanto, devemos ter consciência que, para ser um bom historiador
deve ser também, no mínimo, um bom antropólogo e sociólogo. E bons antropólogos
e sociólogos devem também ser bons historiadores. Pois, apenas com a
interdisciplinaridade dessas ciências poderemos chegar mais perto das respostas
que almejamos em nossas pesquisas.
REFERÊNCIAS:
SCHWARCZ, Liilia K. Moritz. “Questõs de Fronteiras: Sobre uma
Antropologia da História”. In: Novos Estudos CEBRAP, n.72, Julho 2005, PP.
119-135.
GEERTZ, Clifford. A Interpretação das Culturas. Rio de
Janeiro: Editora LTC, 1989, 323p.
SILVA, Kalina Vanderlei, SILVA,
Maciel Henrique. Dicionário de Conceitos
Históricos. São Paulo: Contexto, 2006.
BURKE, Peter. A Escola dos Annales- 1929-1989: a
Revolução Francesa na Historiografia. São Paulo: Ed. UNESP, 1991.
BLOCH, Marc. Apologia da História, ou, O Ofício do Historiador . Rio de
janeiro: Jorge Zahar. Ed. 2001.
[1] Wagner
Aragão Teles dos Santos é graduado em Licenciatura em História. Centro
Universitário Jorge Amado.
[2] BLOCH, Marc.
Apologia da História, ou, O Ofício do Historiador . Rio de janeiro: Jorge
Zahar. Ed. 2001.
[3] Burke,
Peter. A Escola dos Annales (1929-1989): a Revolução Francesa da
Historiografia. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1997.
[4] GEERTZ,
Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Editora LTC, 1989.
323p.
[5] Idem.
[6] BURKE, Peter. A
Escola dos Annales- 1929-1989: a Revolução Francesa na Historiografia. São
Paulo: Ed. UNESP, 1991.